Não são recentes as dificuldades enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho. Por essa razão, a legislação prevê certas garantias, que também são frequentemente questionadas por grande parte dos empregadores. Em entrevistas de emprego, são comuns perguntas acerca da vida pessoal, afetiva, familiar, entre outras não tão frequentes quando o entrevistado é homem.
O preconceito é carregado de simbolismo, sobretudo quando figuras de expressão reforçam abertamente estereótipos consolidados, ainda que de maneira velada, no mercado de trabalho.
A título de exemplo, o ex-presidente Jair Bolsonaro já defendeu publicamente que a mulher deve auferir remuneração inferior pelo fato de engravidar.
Declarações misóginas como esta encontram eco em muitas empresas, e uma das principais críticas reside na extensão da licença-maternidade de cento e vinte dias, conforme assegura a nossa Constituição.
Há discussões neste sentido perante o Poder Judiciário. No julgamento do recurso extraordinário 778889, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a equiparação do prazo de licença-maternidade entre as mães biológicas e as mães adotantes.
Ainda sobre o Poder Judiciário, é importante lembrar que a Corte julga também a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.495, que trata dos diferentes prazos de licença-maternidade estipulados pela CLT e no serviço público. O relator, ministro Alexandre de Moraes, rejeitou equiparar o benefício concedido às servidoras estatutárias às trabalhadoras regidas pela CLT. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro revisor, Flavio Dino.
São muitos os relatos de hostilidades às mulheres gestantes, para tornar insuportável o ambiente de trabalho. As situações mais frequentes incluem comentários relacionados à gestação e ao exercício da maternidade, mas também alterações ardilosas das condições de trabalho, com fiscalização excessiva, mudanças de horário, alteração do local de trabalho, entre outras.
Em outra atitude para desencorajar a maternidade de suas funcionárias, algumas empresas propõem como "benefício" o custeio do congelamento de óvulos. A notícia foi efusivamente divulgada pelos grandes veículos de comunicação como uma oportunidade às mulheres que "quiserem priorizar a carreira".
O artigo 373-A, IV, da CLT proíbe expressamente a exigência de atestados ou exames de qualquer natureza, para comprovação da esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no cargo.
Objetivamente, uma política corporativa de congelamento de óvulos não contraria a legislação trabalhista. O aspecto aqui discutido diz respeito ao problema estrutural enfrentado no mercado de trabalho, e que pode e deve ser objeto de análise mais detida pelas autoridades. As empresas não podem adotar medidas que desestimulem a maternidade de suas empregadas, a pretexto de oferecerem garantias às mulheres que pretendam "priorizar a carreira". Neste caso, haveria grave risco de ingerência das empresas na vida pessoal e familiar de suas funcionárias. Sendo assim, o que seria uma alternativa para quem pretende priorizar a carreira pode vir a se tornar um mecanismo de abuso e controle excessivo.
A redação dada ao artigo 373-A, da CLT, busca resguardar a referida hipótese, como se observa. Portanto, ao proibir a utilização de critérios para contratação, demissão e promoção que façam referência ao sexo, idade, cor e vida familiar, a legislação visa evitar a referida ingerência das empresas em assuntos unicamente pessoais.
Há de se ressaltar, assim, que a oferta de congelamento de óvulos como benefício trabalhista contraria o mencionado princípio, e visa contornar, sem resolver, uma das maiores dificuldades enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho. Ainda que se reconheça que estamos em uma economia capitalista, as empresas também têm obrigações para com a melhoria da sociedade, além do lucro, e devem implementar políticas verdadeiramente inclusivas, com respeito à igualdade de gênero, aos direitos reprodutivos e escolhas pessoais das mulheres.